A HISTÓRIA DO KARATÊ-DÔ
Bodhidarma, vigésimo oitavo
patriarca do Budismo
Esta litografia da dinastia Ming
(1368-1644 d.C) retrata o
Bodhidarma, o vigésimo oitavo
patriarca do budismo, cujo nome
está associado na China à meditação
séria, à disciplina ascética e ao poder
da mente. Ele foi um príncipe do sul
da Índia que se tornou monge e
viajou para a China no final do
século V. Condenando à prática da
busca de mérito por considerá-la
materialista, meditou em uma
caverna por nove anos. Suas práticas
ascéticas estão associadas à ioga e à
escola Shaolin de artes marciais.
Falar da origem do Karatê-Dô sem falar na origem das artes marciais que o precederam é, no mínimo, demasiado presunçoso, uma vez que o Karatê-Dô é uma arte marcial relativamente recente no contexto de comparação com outras artes como o Kung Fu, Jiu Jitsu, etc. e portanto suas origens devem ser rastreadas voltando-se mais para o passado, ou seja, para as artes marciais que lhe deram origem, como o Kung Fu, que deu origem ao Kenpo, e este deu origem aos estilos que culminaram no Okinawa-Te, ancestral mais próximo do Karatê-Dô.
Ao realizarmos a árdua e demorada tarefa de rastrear estas origens em nosso considerável material histórico, chegamos a Bodhidharma como sendo a mais longínqua referência inicial dos estilos de luta que mais tarde deram origem ao Karatê-Dô.
Eis então que é impossível falar historicamente do Karatê-Dô sem se referir a Bodhidharma, uma vez que seu estilo de luta, o Vajramushti, é a origem de vários (não todos) estilos de arte marcial praticados atualmente.
Não é então nem mera coincidência e nem cópia ou plágio quando vários autores de artes marciais deferentes se referem a Bodhidharma ao descrever a história de seu estilo, isto é fato.
Descreveremos então esta parte da história de Bodhidharma da forma mais fiel e criteriosa possível, sem cometer as anacronismos observados em alguns textos, mostrando ao leitor a importância do mesmo para o mundo das artes marciais, como o Karatê-Dô.
Bodhidharma, cujo nome completo era Bodhisatva Avalokitesvara Bodhidharma ( também conhecido por “Ta Mo” em chinês, ou “Daruma Taishi” em Japonês), nasceu em fins do século V d.C., era filho do Rei Sughanda, um Rajá da Índia, e membro da nobreza Kshastriya, uma das inúmeras castas hindus. Aprendeu
portanto o Vajramushti como parte da sua educação, comum no currículo de formação militar em várias castas hindus. O nome Vajramushti vem de: Vajra sol, real, bastão, cetro, etc... e Mushti soco, punho, golpe de punho, etc..., sendo que se torna difícil a tradução literal do termo, que pode ser algo como “Punho direto”, ou “Punho real”, ou ainda “Punho do sol”, e várias outras possibilidades.
Educado na religião budista, tendo por mestre o famoso Prajnatara, Bodhidharma se destacou de tal forma que se tornou o 28º patriarca do Budismo. Tudo isso sem abandonar a prática do Vajramushti, da qual consta ter sido um exímio praticante. Alguns autores budistas constam que o próprio Buda, Sidartha Gautama, praticou esta arte, pois também foi de origem nobre hindu.
Bodhidharma viajou à China (à pé, segundo alguns registros) por volta da primeira metade do século VI (em torno de 525 d.C.), para tentar influenciar o Budismo chinês, que acreditava estar se distanciando de seus dogmas ancestrais, e com isto reformá-lo.
Expulso da corte do sobreano Liang Wu Ti, que praticava um Budismo diferente do de Bodhidharma (foi a primeira corte onde tentou pregar), foi contudo bem acolhido no reino de Wei, estabelecendo-se depois em Shao-Lin, na província de Honan. Ali encontrou os monges budistas em um lamentável estado físico, tendo seus membros atrofiados devido aos longos períodos de meditação (deve-se salientar que até esta época o templo de Shao-Lin não era dedicado à prática do Kung Fu, mas somente à meditação budista).
Foi Bodhidharma que introduziu, com seu Vajramushti (chamado pelos chineses de Lo Han) “ Os Dezoito Movimentos Básicos” ( Lo Han foi um famoso discípulo de Buda). Bodhidharma pregava a união do corpo com o espírito (Men sana corpore Sano). Ensinava o que pensava ser ideal para a saúde, e dizia ser a união do corpo com a alma algo indivisível para chegarmos à verdade, ao equilíbrio e à paz interior. Mais tarde surgiram os estilos de Kung Fu, e entre eles o Kenpo (alguns chamam de Karatê Chinês, como Ed Parker), que levado à ilha de Okinawa provavelmente por pescadores chineses, veio a dar origem ao Okinawa-Te, culminando no Karatê-Dô.
Este então foi o legado de Bodhidharma, que apesar de ter dado início a várias artes que hoje podem ser vistas como belicosas pelos menos aprofundados, na realidade introduziu em Shao-Lin o Vajramushti apenas com o intuito de unir corpo e mente do discípulo budista, procurando assim um fim espiritual que não foi respeitado por sucessores, como Kwok Yuen, que desenvolveu o Vajramushti incorporando ao mesmo outros movimentos de outros estilos de Kung Fu que não eram provenientes de Shao-Lin, criando mais tarde
um estilo conhecido como estilo de Shao-Lin, e, a despeito da desaprovação dos monges mais conservadores de Shao-Lin, ensinando-o indiscriminadamente a todos os monges, mesmo os que não tivessem preparados espiritualmente para isto. Gostando-se disto ou não, Kwok Yuen faz parte da história das artes marciais provenientes de Shao-Lin, como o Karatê.
Mais tarde os estilo foram se variando, evoluindo, observando os animais em luta ou caça, e com conhecimentos traduzidos por militares que se refugiaram no templo. Quando uma dinastia era vendida e outra lhe sucedia, como a dinastia Ming, vencida pelos Manchus, era comum que os oficiais, fugindo da perseguição dos vencedores, se refugiassem em locais sagrados, respeitados pelo povo. Durante esta estadia ensinaram em Shao-Lin outros estilos e o uso de armas. Ao contrário da imaginação de alguns, Shao-Lin não é berço de todas as artes marciais, nem mesmo as chinesas, pois outros estilos (provenientes de observação de animais ou técnicas militares de exércitos ou tropas especiais) eram praticados sem vínculo com Shao-Lin ou Bodhidharma. Mais tarde, pelas razões já descritas, algumas destas técnicas chegaram a Shao-Lin.
Diferentes estilos de Kung Fu se desenvolveram quando as personalidades e as nuanças dos monges emergiram. Haviam dois templos Shao-Lin, um na província de Honan e outro em Fukien. Entre 840 e 846 a.D., ambos os templos, assim como muitos milhares de templos menores, foram saqueados e queimados.
Isto foi supervisionado pelo Governo Imperial Chinês, que na época tinha uma política de perseguição e importunação sobre os Budistas. Os templos de Honan e Fukien foram mais tarde reconstruídos somente para serem destruídos por completo pelos Manchus durante a Dinastia Ming de 1368 a 1644 a.D. Somente cinco monges escaparam, todos os outros foram massacrados pelo imenso exército Manchu. Os cinco (Hung, Liu, Choi, Li e Mo) sobreviventes tornaram-se conhecidos como “Os Cinco Ancestrais”. Eles vagaram por toda China, cada um ensinando sua própria forma de Kung Fu. Considera-se que este fato deu origem aos cinco estilos básicos de Kung Fu: Tigre, Dragão, Leopardo, Serpente e Grou. Como cidadãos chineses emigraram para as ilhas de Okinawa, novos sistemas se desenvolveram.
Curiosidade: Embora vastamente empregado para designar as lutas de origem chinesas, o termo “Kung Fu” quer dizer, na realidade, fazer com esmero, com perfeição, ou ainda fazer bem feito, sendo que um pintor, por exemplo, pode, de acordo com sua perfeição, ser chamado de um praticante de Kung Fu. O termo específico para as artes marciais chinesas é Whu Shu.
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